quinta-feira, 15 de outubro de 2009

A História na perspectiva da genealogia nietzscheana. - por Adjair Alves.


Embora tenha feito habituais apóstrofes à História, Nietzsche sempre considerou como “verdadeira História” a genealogia, que ele sempre chamava de “Wirkliche historie” – Verdadeira História ou Sentido Histórico. [1]

O que Nietzsche sempre criticou é essa História que quer colher em uma totalidade bem fechada sobre se mesma a diversidade, reduzida do tempo. Uma História que nos permitiria reconhecer-nos em toda parte, e dar a todos os deslocamentos passados a forma de reconciliação uma História que lançaria sobre o que está atrás dela um olhar de fim do mundo.

A História na perspectiva nietzscheana, não tem pretensão absoluta. Ele quer reintroduzir no devir tudo o que se tinha acreditado imortal no homem. Nada é bastante fixo para compreender outros homens e se reconhecer neles. Nietzsche reconhece a existência, na História tradicional, de uma tendência a dissolver o acontecimento singular em uma continuidade ideal. A idéia de causa e efeito presente na História. Para Nietzsche a História “efetiva” deve fazer ressurgir o acontecimento no que ele pode ter de único e agudo. É fazer brotar dos mais baixos instintos sua historicidade, mesmo naqueles acontecimentos considerados pela história tradicional, sem significado algum para nos colocar na continuidade da História. a história constituída de fragmentos da vida cotidiana, aparentemente sem sentido para identificar o humano como essência pura, como queria Platão.[2]

Como assiná-la FOUCAULT (1990: 27),

A história será ‘efetiva’ na medida em que ela reintroduzir o descontínuo em nosso próprio ser. Ela dividirá nossos sentimentos; dramatizará nossos instintos; multiplicará nosso corpo e o porá a si mesmo. Ela não deixará nada abaixo de si que teria a tranqüilidade asseguradora da vida ou da natureza; ela não se deixará levar por nenhuma obstinação muda em direção a um fim milenar. Ela aprofundará aquilo sobre o que se gosta de faze-la repousar e se obstinará contra sua pretensa continuidade. É que o saber não é feito para compreender, ele é feito para cortar.[3]

Assim o esforço do historiador em querer tudo explicar, isto é, as forças em jogo na história, não obedecem nem a uma destinação, nem a uma mecânica, mas ao acaso da luta. A essência da vida é constituída de sua “vontade de poder”, forças espontâneas, agressivas, expansivas e criadoras de novas formas. Um reino onde não há providência, onde não cabe uma teleologia, a causa final Aristotélica. O que prevalece são “as mãos de ferro da necessidade que sacode o corpo de dados ao acaso” o reino da estupidez, onde só haja riscos cada vez maiores, fruto da vontade de poder, jogo de forças que se confrontam, ou talvez haja apenas a nossa imaginação.[4]

O mundo retratado pela História tradicional ou moderna é um mundo onde os acontecimentos são selecionados e sacrificado em nome de uma essência que os faz pertencer a um mesmo reino de possibilidades onde, um fio condutor de causa e efeito, os faz pertencer a uma mesma ordem de pensamento lógico. O mundo da História contratas com o nosso mundo real que é um aglomerado de acontecimentos entrelaçados e não esse que se apega a uma essência. O verdadeiro sentido histórico, segundo Nietzsche, terá que reconhecer a não existência de referências e coordenadas originais, visto que a história se constitui em miríades acontecimentos perdidos. [5]

A metafísica desenvolveu um apetite pelo longínquo, voltou-se para as alturas, para o reino de obediência à “coisa em si”, rejeitado os mais vis sentimentos e apetites, e assim escreveu a história às avessas encerrando onde devia começar. “A história ‘efetiva’, em contrapartida, lança seus olhares ao que está próximo: o corpo, o sistema nervoso, os alimentos e a digestão, as energias; ela perscruta as decadências; e se afronta outras épocas é com a suspeita – não rancorosa, mas alegre – de uma agitação bárbara e inconfessável.[6]

Segundo Nietzsche o filósofo tem obsessão em inverter o processo; a sua incapacidade de captar a “coisa em si” leva-o a formulá-la em termos de “artifícios” buscando as razões segundo as quais o “Ser” lhes escapam. Nesse caso elegem um impostor; “os sentidos”, são os enganadores acerca do mundo. Deste modo a história é a história da morte dos sentidos, eles que são tão imortais. É, portanto para se reencontrar o verdadeiro sentido da história inverter o processo. Buscar nos sentidos, afirmar a humanidade, sua multiplicidade, ressuscitar o corpo, assustar o coveiro, descontaminar o corpo dessa lógica negativa e assim redescobri-lo. Esse é o sentido da história, seu “desarrazoamento”. [7]

A História é vista por Nietzsche, como um saber perspectivo, ela representa um ângulo no olhar do historiador, é um recorte pelo qual aprecia, afirma ou nega. Sua objetividade, como assinala FOUCAULT, “é a intervenção das relações do querer no saber e é ao mesmo tempo a crença necessária na providência, nas causas finais, e na teologia.[8] O historiador é um asceta que recusa o tempo todo a experiência.[9]



[1] Prefácio de GM, § 7; I § 1, 2; BM, § 224.

[2] GC, Livro Primeiro § 7.

[3] Michel FOUCAULT, Microfísica do Poder. 1990, p. 27, 8.

[4] GM, II § 12; A, § 130.

[5] HH, § 16.

[6] Michel FOUCAULT. Op. Cit. p. 29.

[7] CI, “A ‘Razão’ na Filosofia” § 1, 4.

[8] Michel FOUCAULT. Op. Cit. p. 31.

[9] GM, III § 26.

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