quinta-feira, 15 de outubro de 2009

DA CRIATIVIDADE SUFOCADA AO ESPÍRITO LIVRE (Modernidade / Pós-Modernidade) - Adjair Alves

Algumas pesquisas recentes têm sinalizado para as implicações que a tradição que se origina da ruptura com os Significados Universais em Nietzsche, Freud e Heidegger, têm na postura desconstrutiva da Pós-modernidade. Do mesmo modo que esses pensadores puseram em xeque o estatuto da Racionalidade Científica, a Pós-modernidade o faz com a Ciência Moderna, pondo o cientista em dúvida quanto ao estatuto presente e futuro da ciência. O Pós-modernismo enfatiza a incredulidade perante o Metadiscurso filosófico-metafísico e suas pretensões atemporais e universalizantes. Em Nietzsche, a Crítica realizada pela “Desconstrução Genealógica” do saber Moderno objetiva, sobretudo, a libertação, isto é, a emancipação do humano do espírito exclusivista da Racionalidade ocidental; daquilo que ele considerava “instinto de conhecimento”, ou ainda, “espírito decadente”. Na Pós-modernidade, ao que nos parece, há um status de fragmentação, do conhecimento, agora, sob a hegemonia da linguagem informática.

O contexto Pós-moderno tende a eliminar as diferenças epistemológicas significativas entre os procedimentos científicos e os procedimentos políticos. Parte do pressuposto de que Verdade e Poder não podem ser separados. Conhecimento é Poder, aqui tratado como um poder particular que aproxima o pensar do mais cotidiano possível; da paixão, da emoção, da inteligência, da poesia (LYOTARD. 1998).

Enquanto na modernidade a legitimidade do estatuto da ciência se dava pela ordem conceitual-lógica em relação ao saber narrativo, a Pós-modernidade não opera a substituição dessa concepção de Racionalidade por uma outra qualquer, mas sua modificação na natureza mesma da Razão provocada pelo impacto das transformações tecnológicas sobre o saber, tornando ineficaz o quadro teórico proposto pela Metafísica moderna.

São as incidências de informações tecnológicas sobre o “saber”, passando a considerar apenas aquilo que possa ser traduzível, que o faz, assim como as culturas na idade pós-moderna, mudar de estatuto ao mesmo tempo que as sociedades vão entrando na era pós-industrial. As pesquisas, como parte desse processo, passam a ser orientadas pelo princípio da tradutibilidade em linguagem mecânica.

Embora em função da incognoscibilidade e relativização do conhecimento, provocada pelo espírito pós-moderno, não se possa estabelecer a exclusividade de um determinado saber, até porque todo conhecimento passa a ser considerado válido como interpretação da realidade, ele (o saber) tem se tornado, nesses últimos decênios, a principal força de produção e tem modificado sensivelmente a composição das populações ativas nos países em via de desenvolvimento.

Podemos dizer que, na idade pós-industrial e pós-moderna, a ciência, sem dúvida, tem reforçado ainda mais sua importância na disputa pelas capacidades produtivas dos Estados-Nações e alargado o afastamento em relação aos países em via de desenvolvimento, o que nos parece contraditório.

A multiplicação de máquinas informacionais tem afetado a “Civilização do Conhecimento”, tanto na produção do conhecimento, como no seu acesso, provocando uma explosiva exteriorização do saber, pondo por terra o princípio segundo o qual a sua aquisição é indissociável da formação do espírito. O saber deixa de ter valor de uso para ter valor de troca, o que denota uma profunda crise de paradigmas nas ciências, crise esta relacionada como um impasse do projeto da modernidade.

O Esclarecimento atribui à Razão virtualidades emancipatórias, libertadoras, já que, pela Razão, supunha o homem poder libertar-se, tanto da superstição, quanto do despotismo. No entanto, o “sonho” iluminista acaba por não se concretizar, isto porque suas potencialidades emancipatórias foram inibidas pela expansão crescente de seu vetor manipulatório, instrumental, sistêmico.

Para a Filosofia Ocidental, conforme assinala Nietzsche, o papel do filósofo era transformar tudo em pensamento abstrato, Lógico-racional, penetrar a própria razão das coisas, distinguindo o verdadeiro do aparente e do erro. Isso porque a Filosofia preferiu julgar a vida em lugar de torná-la ativa, de afirmá-la.

A Metafísica tornou a vida algo que deve ser medido, limitado, em nome de valores “superiores” como o “divino”, ö “belo”, o “bem”. Este tipo de racionalidade submete o espírito humano e inaugura a época do homem teórico. Para essa tradição, a Razão é o limite de tudo, inclusive do “espírito criativo”, que é subjugado (NIETZSCHE. 1996, In. Os Pensadores).

A Razão é definida, precisamente, pela sua capacidade de controlar, prever, supervisionar. Assim, ela interviria na realidade, sendo valorizada pela posse de uma legalidade conceptual.

O projeto da Modernidade baseava-se na noção de “Estruturas Estáveis do Ser” e, nesse sentido, tornou-se excludente. Os seus continuadores (modernos) estão voltando, constantemente, às origens como forma de manterem-se apegados e superarem o próprio pensamento. Superar, aqui, não significa rejeitar, mas mantê-lo mais à frente, estabelecer seu progresso. O projeto da modernidade é um projeto precário; daí Nietzsche e Heidegger considerarem fundamental o desapego às origens do pensamento, visto que progresso significa, apenas, identificar o novo com o “valor” do “fundamento-origem” através da “mediação”, da “recuperação” e da apropriação desse fundamento. É aí que reside a idéia do “eterno retorno” Nietzscheano. Poderíamos dizer que, de um ponto de vista estrito, não há um progresso no projeto da modernidade visto que o pensamento não é alimentado pelo germe do novo, ao contrário, permanece preso ao fundamento-origem.

Nietzsche, pensador que podemos considerar como inspirador da Pós-modernidade, põe em dúvida a noção de “fundamento” da Modernidade e se afasta desse projeto, visto não acreditar na estabilidade do ser.

Mesmo nos Sistemas Historicista-Metafísicos do séc. XIX (Marxismo), a dissolução da “Estabilidade” do Ser é, apenas, parcial, visto que conservam certa estabilidade do real “o ser se torna, não ‘está’, de acordo com ritmos necessários e reconhecíveis” (VATTIMO. 1996: VIII).

Nietzsche pensava o ser como “evento”, portanto, para se falar do ser é necessário compreender “em que ponto” nós e ele próprio (o ser) nos situamos. “A Ontologia é interpretação da nossa condição ou situação, já que o Ser não é nada fora do seu “evento”, que acontece no seu e no nosso historicizar-se” (VATTIMO. 1996: VIII).

A cultura não está nas origens, mas nas transformações que se dão simultaneamente à existência. “O Pós-Moderno se caracteriza não apenas como novidade com relação ao Moderno, mas, também, como dissolução da categoria do Novo, como experiência de ‘fim da história’, mais do que como apresentação de uma etapa diferente, mais evoluída ou mais retrógrada, não importa, da própria história.” (VATTIMO.1996:IX).

O que caracteriza o “fim da história” na experiência Pós-Moderna é que, enquanto na teoria a noção de historicidade se torna cada vez mais problemática, na prática historiográfica e em sua autoconsciência metodológica, a idéia de uma história como processo unitário se dissolve, instaurando-se, na existência concreta, condições efetivas que lhe conferem uma espécie de imobilidade não histórica.


“A História Contemporânea, desse ponto de vista, não é apenas a que diz respeito aos anos cronologicamente mais próximos de nós; ela é, em termos mais rigorosos, a história da época em que tudo, mediante o uso dos novos meios de comunicação, principalmente a televisão, tende a nivelar-se no plano da contemporaneidade e da simultaneidade, produzindo também, assim, uma des-historicização da experiência.” (VATTIMO, 1996: XVI).

Para o niilista consumado, a liquidação dos valores supremos não significa o restabelecimento de uma situação de “valor” no sentido de “reapropriação”, pois todo e qualquer “próprio” (inclusive no sentido semântico do termo) tornou-se “supérfluo”. “O mundo verdadeiro tornou-se uma fábula”, não o “pretenso” mundo verdadeiro, mas ele próprio. A fábula aqui não perde em absoluto seu sentido, embora ela não seja, visto não haver mais verdade alguma que a desvele como aparência.

A experiência que se abre para o niilismo consumado não é uma experiência de Glória desligada dos últimos valores e ligada a outros até então desconsiderados. O mundo niilista é o lugar de uma experiência que não é “mais autêntica” do que a experiência metafísica.

A impossibilidade de um sentido no processo histórico-social, que possa ser racionalmente apreendido, é visto como um “irracionalismo” Pós-Moderno dado que: instaura o império da incognoscibilidade e da relativização de todo conhecimento; permitem uma multiplicidade inesgotável de interpretações, todas válidas (fixa o niilismo convicto); a realidade teria como característica essencial o seu caráter fragmentário, que impede qualquer possibilidade de síntese ou totalização que apreenda o real (inviabiliza os projetos historicistas).

Ao estabelecer a crítica à Modernidade, a Pós-modernidade elege, em troca da Racionalidade Moderna e seus grandes temas universais (razão, sujeito, totalidade, verdade, progresso, ciência etc.), a valorização do particular, do fragmentário, do efêmero, do micrológico, do sensual, do corpóreo, do prazer, rejeitando, decididamente, a predileção pelas grandes sínteses. Desse modo, o processo histórico passa a ser domínio da indeterminação, do sujeito constituinte, da “criação absoluta”.

A Pós-modernidade aprofunda, portanto, o processo de crise da modernidade. E nesse ponto, Nietzsche parece-nos ter sido predecessor ao decretar a crise da modernidade e ao anunciar que as “idéias” não devem ser vistas como verdades ou falsidades, mas como “sinais”; e que a única existência é a aparência e seu reverso não é mais o ser. Assim, o homem está destinado à multiplicidade, e a única coisa permitida é a sua interpretação.

_______________________________

Referências:

LYOTARD, Jean-François. A Condição Pós-Moderna. 5. Ed., Trad. Ricardo Corrêa Barbosa. Rio de janeiro: José Olympio, 1998.

VATTIMO, Gianni. O Fim da Modernidade: Niilismo e Hermenêutica na Cultura Pós-Moderna. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

NIETZSCHE, W. Friedrich. Obras Incompletas. Trad. Rubens Rodrigues Torres Filho. São Paulo: Nova Cultural, 1996.

HEIDEGGER, M. Conferências e Escritos Filosóficos. Trad. Ernildo Stein. São Paulo: Nova Cultural, 1996.

Nenhum comentário: